Estamos a atravessar um ano de nefastas perspectivas. O tempo vai incerto e adivinha-se um mau ano agrícola, como dizem os nossos homens da terra. Mas este não é o primeiro.
Deixou de cultivar-se o trigo e o milho para se importarem as farinhas.
Desapareceram as atafonas domésticas, os moinhos de vento e as azenhas das ribeiras. Até algumas das moagens que vieram mais tarde, também foram desmontadas.
Os chamados terrenos de semeadura passaram a ser pastagens de gado leiteiro e em alguns, poucos, semeia - se o milho para forragem, para alimentação do gado. Os restantes terrenos, aqueles de mais difícil trato, foram abandonados e estão ocupados por arvoredo bravio, sem qualquer utilidade.
O tempo não vai de feição. As árvores de fruto que ainda restam, dado que muitas quintas estão igualmente abandonadas – hoje só se pensa em tornar rentável os “currais de vinha” de algumas zonas classificadas, - estão a rebentar cedo, não sendo promissora a produção. E nem só aqui. Na Metrópole já existem campos secos por falta de chuva, tendo o Governo recorrido à UE para receber ajuda.
Não temos o Egipto próximo, como na época antiga. Nem sequer um José que fique de penhor aos que nos fornecerem o trigo...
Foram vários os anos que ficaram na história destas ilhas, e principalmente do Pico, classificados de anos da fome.
Como já escrevi: (1)“ O Pico foi das ilhas mais martirizadas do Arquipélago.
Ao longo de cinco séculos de ocupação humana a ilha sofreu calamidades e crises várias que marcaram profundamente as populações:
As erupções vulcânicas, principalmente as de 1718 e 1720, calcinaram as terras e destruíram povoações (Santa Luzia e São João ainda conservam os “mistérios” a atestar esses cataclismos). As doenças – a peste como o povo as classificou – que destruíram, primeiro os laranjais e depois as vinhas. Os vendavais e ciclones que igualmente destruíram as colheitas. Esse rol imenso de calamidades que atingiram as Gentes do Pico, foram motivo do êxodo cíclico que se verificou para outras terras – para as ilhas vizinhas e para o estrangeiro – e são ainda hoje causa consequente das oscilações verificadas nas próprias populações.”
Houve anos de fome. Vários.
O ano de 1596 foi um ano de fome, valendo aos povos destas ilhas a caridade dos Jesuítas (2).
O ano de 1599 foi de peste e de fome nas ilhas. “A peste foi trazida para Angra por uma nau” pois já grassava em Lisboa(3).
O Padre Maldonado na “Phoenix Angrense” diz que o ano de 1647 foi de tremenda fome em razão da esterilidade dos frutos comestíveis que se experimentaram tão poucos e são diminutos. E o milho que na ilha, ainda e só se cultivava mais por curiosidade, não foi suficiente para suprir a crise.(4)
O ano de 1785 foi “muito escasso em cereais em todo o arquipélago e por isso lhe chamaram ano da fome, tornando-se contudo mais sensível na ilha das Flores, onde morreram algumas pessoas.(5)
“Em 1785 os Açores atravessaram uma crise económica desesperada. Então os Morgados da Terceira pedem protecção à Rainha, por intermédio do Governador”. Numa outra carta diz o Governador: “a fome aperta: nem um só Morgado tem ainda do seu pão” (6).
“Ano da fome” foi o de 1858. Valeu o Capitão Manuel Machado Soares que, dos seus teres, minorou a penúria e miséria de grande número de famílias que ou cairiam vítimas do terrível flagelo ou seriam obrigadas a abandonar o solo natal(7).
Nessas ocasiões de penúria e miséria, como diz Lacerda Machado, muitas famílias procuravam nos matos, socas de jarro e raízes de feto, que depois de secas, eram farinadas e, embora de sabor desagradável, serviam para saciarem a fome.
O ciclone de 28 de Agosto de 1893 tudo devastou. Muitas famílias ficaram na maior miséria. Para lhes acudir D. Rosa Dabney Forbes, ao tempo residindo na Horta, importou dos Estados Unidos numa sua barca, grande quantidade de milho que mandou distribuir pelas famílias pobres, vítimas do ciclone. Nas Lajes foram distribuídas 50 sacas de milho por 19 famílias.(8)
A ilha do Pico foi, através dos tempos, uma verdadeira TERRA MÁRTIR.
1) E. Ávila ILHA DO Pico – Suas origens e suas gentes – 1988, pág.55
2) “Arquivo dos Açores”, Vol.XIV, pág.495
3) Ibidem
4) Carreiro da Costa, “Esboço Histórico dos Açores”, pág-209
5) Silveira de Macedo, “História das Quatro Ilhas...”, Vol. I, pag. 225
6) Reis Leite, J. G. “Arquivo Açoriano”, pág 324
7) Lacerda Machado, F.S.- “Os Morgados das Lages, Ilha do Pico”, pág. 16
8) E. Ávila – A Ilha do Pico – Crises Económicas, (Separata do Boletim do IHIT) Vol. XLV 1987
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